Stanley Kubrick - Realizador |
Sinopse: Em a Laranja Mecânica, visualizámos
a história de um grupo de 4 jovens, Pete, Georgie, Dim e Alex, liderado por
este último, que protagonizam cenas de extrema violência numa Inglaterra
caótica e futurista. Alex é apresentado como um jovem fã incondicional de
Beethoven, mais precisamente da Nona Sinfonia e será ao som desta que irá realizar
e fantasiar episódios violentos. No início do filme somos confrontados pelas
ações nefastas deste gangue sob o efeito de alucinogénios: é responsável por
agredir um sem-abrigo e um grupo rival, assaltar e espancar um escritor e
abusar da sua esposa na sua própria residência. Os jovens, ao entrarem,
inevitavelmente, em conflito, acabam por atacar e abandonar Alex depois de uma
tentativa de assalto. Este é preso e condenado, uma vez que a mulher que tentou
assaltar morre devido à agressão que lhe causou. Já preso, Alex lê os textos
sagrados identificando-se com os soldados romanos, demonstrando os mesmos
pensamentos perversos de antes. Surge a oportunidade de ser libertado mais
cedo, para isso sujeita-se a um tratamento experimental inovador, Tratamento de
Ludovico, o qual o objetivo final é reabilitar criminosos. Desconhecendo os
procedimentos, Alex aceita, pois deseja abandonar a prisão o mais cedo
possível. Assim é obrigado a visualizar filmes violentos sem parar, sendo-lhe
previamente administrado um medicamento, e se inicialmente a visualização
causa-lhe euforia, esta é substituída por dor física. À visualização dos filmes
é associada a Nona sinfonia, o que leva a um maior sofrimento por parte de
Alex. Finalizado o tratamento e comprovado em público a alteração de
comportamento, o jovem é libertado, no entanto este acaba vítima dos seus
fantasmas. Incapaz de ser violento, agonizando sempre que sujeito a esta, é
abordado pelo sem-abrigo que atacou, dois dos seus velhos amigos e por fim pelo
escritor que colocou numa cadeira de rodas. É devido a este último qua Alex se
tenta suicidar, em conseguinte da audição da música que outrora era o seu hino,
não conseguindo lidar com a tristeza e sofrimento extremos ao ouvi-la, atira-se
da janela. No entanto, a sua tentativa de suicídio traz-lhe mais do que
reconhecimento e apoio público e político – o velho Alex regressa ao som do seu
ídolo.
Laranja Mecânica – A
domesticação do animal
Uma obra incontornável do cinema, aclamado e odiado por
muitos, surgindo numa época de reestruturação social, Laranja Mecânica, título
original (Clockwork Orange), causou impacto e polémica no seu lançamento em
1971, sendo proibido em alguns países, no entanto o seu sucesso foi tal, que mais
de 40 anos depois é relançado, demonstrando a imortalidade das temáticas
abordadas.
Assistindo a esta obra é impossível ficar indiferente à
panóplia de assuntos enumerados e interligados ao nível do comportamento
humano. Desde do sarcasmo e diversão das personagens em cenas de puro terror,
aos instintos irracionais do Homem – como a agressividade e a sexualidade, ao
papel controlador da sociedade que tenta a todo o custo formar cidadãos-modelo,
independentemente das consequências.
A sexualidade presente em quadros no quarto de Alex, as
estátuas de mulheres que deitavam leite com alucinogénios ou até o objeto fálico,
arma do crime pelo qual o protagonista é preso e a agressividade que tanto este
como os seus companheiros demonstram, retirando prazer na humilhação, abuso e
agressão aos outros, refletem o resultado da interação de um conjunto de fatores
– biológicos, socias, culturais – associados à experiência e história
individual (ontogénese) que resultam neste comportamento. Como Alex é
apresentado como um jovem de uma família funcional e que sempre lhe transmitiu
apoio, porventura podemos associar o seu comportamento aos estímulos da
sociedade em que estava inserido, violenta e sem rumo.
Por isso, ao longo do filme, somos confrontados com situações
em que o comportamento, ou seja o resultado da receção de um estímulo e da sua
resposta/conduta, é habilmente condicionado pelos estímulos exteriores
negativos a que é sujeito. Exemplificando:
- Alex é sujeito a assistir a filmes recheados de cenas de
agressões e abuso de pessoas, o que lhe é inicialmente bastante revigorante,
demonstrando a sua tendência natural para um comportamento violento; contudo,
depois de administrado com um soro experimental que lhe causa náuseas, a
visualização sistemática destas imagens ficam associadas a sentimentos e
sensações negativas: ânsia, enjoo e até agonia.
Este vínculo entre o mal-estar e a violência resulta numa
mudança no comportamento do sujeito, no caso Alex, uma vez que resulta numa
situação de causa-efeito. Apesar desta alteração ser apenas superficial, porque
apenas a resposta é diferente, inconscientemente nada foi alterado. O que nos
leva para uma das temáticas abordadas em sala de aula: o behaviorismo
(defendendo que o comportamento é
sempre uma resposta a um estímulo específico). O behaviorismo de Watson, a Teoria dos reflexos condicionados de Pavlov (apresentação repetitiva de um estímulo
neutro, que não provoca reação no organismo, simultaneamente com outro estímulo
de forma a excitar ou reprimir, até que a associação seja construída pelo
individuo) e o
behaviorismo radical de Skinner [(“ O
que o homem faz é o resultado de condições que podem ser especificadas e que,
uma vez determinadas, poderemos antecipar e até certo ponto determinar as
ações. (SKINNER,1970)]” ,serviram de inspiração para o Tratamento de
Ludovico, pois todas as ações foram realizadas para destruir o anterior e
instruir um novo comportamento a Alex, substituindo a punição da cadeia pelas
análises e experiências de forma a
aniquilar o seu comportamento violento.
- A cena que mostra o resultado do tratamento ao fim 15 dias:
em frente a uma plateia, Alex fica sozinho no palco, entra, então, um ator e
começa a agredi-lo e a insultá-lo. Ao querer ripostar não consegue reagir,
sentindo náuseas, então o ator, força-o a lamber o seu sapato para poder
deixá-lo e Alex acaba por fazê-lo. Posteriormente, uma atriz entra no palco,
quase nua e aproxima-se dele. Instintivamente ele sente desejo em tocá-la, mas
à medida que se aproxima do corpo dela, é novamente tomado por uma ânsia de
vómito.
No final desta cena somos confrontados com um dilema: o
ministro mostra grande apreço pela técnica, vangloriando o seu efeito rápido e
eficaz, por oposição ao padre que impõe a importância do livre arbítrio, que
está agora alterado e idealizado segundo os limites de alguns.
Será portanto justo
atuar a este nível?
Por um lado, a alteração do comportamento de Alex seria um
milagre, uma vez que o jovem problemático que representava um risco para todos
desaparecera, contudo esta redenção não foi real, pois não partira da sua
própria vontade, ele era agora um joguete, o resultado de uma experiência. Para
além disso, os seus instintos agressivos continuavam a existir, estando
camuflados num comportamento aceite pela sociedade.
Confrontados com a derradeira cena da obra, a tentativa de
suicídio de Alex, é visível a fragilidade e relevância do condicionamento que
lhe foi imposto, mas até que ponto seria diferente do que era praticado por ele
próprio? A agressividade a que sujeitava os outros, foi utilizada em si como
forma de o tentar reintegrar na sociedade como um sujeito moral, mas obtendo
algo em troca- no caso votos para o governo. Os seus instintos e impulsos
permaneciam, estavam apenas reprimidos, no entanto comportava-se de acordo com
a moral ao contrário da própria sociedade. Como no fim, ele acaba por não ser
reintegrado, pois não tem apoio ou orientações, sucumbe ao desespero e tenta
morrer, no entanto, ironicamente, apenas volta ao seu comportamento normal.
Desta forma, evidencia-se o carácter hipócrita da sociedade, uma vez que agiu
como juiz e carrasco, considerando-se no direito de interferir com a vida de um
homem, contudo sem a capacidade e vontade de mudar verdadeiramente, pois tudo o
resto permaneceu imutável.
Assim, este filme demonstra a importância do papel do
indivíduo na sociedade, de tal forma que esta tenta atingir um nível exagerado
de perfeição, contudo alterando-o de forma dramática. Retira-lhe o poder de
escolha e assim a capacidade de decisão.
Mafalda Alves
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